Há muito tempo atrás, havia um menino chamado Jurandir que
morava numa aldeia indígena que se localizava dentro de uma mata fechada, onde homem
branco nenhum havia chegado.
Jurandir era filho do Cacique Raoni e de sua esposa
Janaína. Tinha um irmão caçula chamado Kaluanã, que sempre mostrou habilidades
extraordinárias para todos os tipos de atividades físicas ao contrário de
Jurandir, que nunca se deu bem com as mesmas.
Quando nasceu, o Pajé Mauá havia dito que Jurandir um dia
seria um grande pajé e assim que ele completasse 14 anos ele mesmo começaria a
iniciá-lo nos segredos do mundo dos espíritos e das divindades. Preocupado com
tal declaração, o Cacique perguntou quem lideraria a tribo se seu único filho se
tornasse Pajé, então o Pajé Mauá profetizou que depois de dois anos nasceria
outro filho homem e que ele se tornaria o Cacique da tribo, e se mostraria um
forte, determinado e justo guerreiro que faria a tribo prosperar juntando
forças com seu irmão.
Como havia profetizado o Pajé, dois anos depois do
nascimento de Jurandir nasce Kaluanã, com traços de um guerreiro forte e
destemido, ao contrário de seu irmão que tinha um semblante mais suave e sereno.
Os dois irmãos cresceram saudáveis e com fortes laços de amizade,
mas suas diferenças eram notáveis. Kaluanã era muito ativo, gostava de brincar
e festejar muito, fazia demonstrações de coragem para os amigos enfrentando
animais perigosos, era muito corajoso. Jurandir era mais calmo, preferia ficar
sozinho a brincar com amigos, apreciava muito a natureza e gostava de conversar
com as plantas, animais e os deuses embora não os visse. Sempre preferia ficar
em sua cabana meditando na beleza da natureza e das divindades e espíritos que
ela criaram enquanto seu irmão saía para caçar.
O Pajé Mauá ao raiar do sol se dirigiu à cabana do
Cacique. Chegando lá saudou o Cacique e sua esposa, depois disso anunciou que o
dia da iniciação de Jurandir havia chegado e que ele deveria partir junto com
ele.
O Cacique embora relutante , entendia a importância desse
momento e juntamente com sua esposa foi acordar seu filho que há anos esperava
por este momento.
Quando o garoto acorda e se depara com o Pajé em sua
cabana, logo entende que o dia havia chegado e que de agora em diante ele se
tornaria um guerreiro como o irmão, mas um guerreiro que luta com as armas do
espírito.
Antes de partir, seu pai lhe dá um carinhoso abraço e
diz:
- O dia em que você nasceu foi muito especial para mim e sua mãe. Você foi
trazido pela luz do céu para se tornar o líder espiritual de nosso povo. Vá meu
amado filho, e volte como um verdadeiro guerreiro dos deuses e dos espíritos da
luz. Que Tupã lhe proteja e guarde seu caminho!
Após ter proferido essa palavras o Cacique se afasta,
então sua mãe lhe dá um beijo e um carinhoso abraço e lhe fala entre lágrimas:
- Eu acredito em você Jurandir! Eu acredito na sua força, e que você vai
cumprir a missão dada pelos deuses e por nossos ancestrais! Sei que você voltará
um homem feito, um verdadeiro pajé que cuidará e orientará nosso povo ao lado
de Kaluanã. Vá meu filho, está na hora de você voar e cumprir a missão que lhe
foi legada. Aprenda tudo que o Pajé Mauá tem para te ensinar, seja obediente e
preste atenção em suas palavras. Lembre-se sempre: em qualquer caminho que
escolhas, deve trilhá-lo com amor. Que Tupã guie teus passos meu filho amado!
Após a despedida de seus pais, Jurandir se dirige ao
Pajé, o qual lhe conduz para fora da cabana. Lá fora o Pajé lhe pergunta:
- Você Jurandir, está pronto para ser iniciado nos mistérios da mãe natureza e
dos deuses?
- Sim Pajé Mauá, é tudo que desejo.
- Se achas que tuas iniciações serão fáceis, aviso-lhe
que não serão e que muitas coisas terá que enfrentar para se tornar um
verdadeiro Pajé. Está disposto a fazer o que for preciso para alcançar teu
objetivo?
-Sim Pajé! Farei o que for preciso, nem que eu tenha que
arriscar minha vida voltarei como um Pajé para a aldeia.
- Então que os espíritos ancestrais olhem por nós, e que
os deuses nos acompanhem em nossa jornada!
E assim o Pajé e Jurandir partiram para uma cachoeira
onde seria realizada sua primeira iniciação. O lugar era de uma beleza
indescritível, a água gelada, o mato verde, as flores, as borboletas, tudo parecia
estar em perfeita harmonia. A cachoeira tinha um ar mágico e isso encantou o
menino Jurandir, que foi comentar sua impressão do lugar com o Pajé:
- Pajé Mauá, este lugar é mágico! Posso sentir a magia no
ar!
- Ótimo! Isso quer dizer que você é sensível às energias
que aqui habitam. Logo irá descobrir o porquê de você sentir que este local é
mágico. Aguarde pequeno Pajé.
Dito isso, o Pajé começou a juntar galhos para fazer uma fogueira,
pois a noite estava chegando e eles precisariam de muitos galhos para manter a
chama acesa a noite toda.
Enquanto isso Jurandir decidiu que tomaria um banho na
cachoeira, deixou suas coisas na beira do rio e mergulhou. E ficou lá dentro
por horas, sentindo a água gelada percorrer seu corpo, em contato com a mãe
doadora da vida, a água.
Quando o Pajé terminou de juntar os galhos e acendeu a
fogueira chamou Jurandir, pois estava na hora deles começarem os preparativos
para a iniciação.
- Jurandir, esta noite não iremos dormir. Ficaremos
acordados a noite toda, cantando, dançando e rezando para que os deuses e os
espíritos ancestrais nos ajudem. Precisamos da ajuda deles que vieram antes de
nós, e que criaram todas as coisas para que sua primeira iniciação seja um
sucesso.
- Farei tudo o que for necessário Pajé Mauá!
- Então comecemos! Mas antes, devo-lhe explicar sobre a
importância do fogo nos ritos sagrados, por isso presta atenção em minhas
palavras Jurandir!
- Sim Pajé, gravarei tudo que o senhor disser em minha
memória.
- Bom! O fogo é sagrado, ele é o elemento ativo da
natureza, responsável por ativar e dar força a todos os rituais sagrados que um
Pajé faz. Quando o fogo é consagrado e direcionado para um fim específico ele
penetra no mundo dos espíritos e dos deuses, trazendo até nós suas energias. Se
uma pessoa quer encontrar um amor e sofre porque não consegue devemos clamar
pela mãe Iara para que com suas águas sagradas abra os caminhos daquela pessoa
para que ela possa encontrar um amor verdadeiro e duradouro. Nos ritos sagrados
utilizamos vários elementos que podemos encontrar em nossa mãe natureza: ervas,
árvores, folhas, água, pedras, cristais, terra, animais, e outras coisas mais
que ajudam a direcionar nossas energias para que o objetivo seja alcançado. O
fogo se alimenta do ar e das energias que temos em nós, desse jeito ele queima
as energias negativas que possamos ter e repõem com novas energias vindas do
mundo dos espíritos e dos deuses. O fogo Jurandir, também existe dentro de
nossos corpos, é esse fogo interno que mantém nossos corpos quentes e ele juntamente
com os outros elementos dá forma a um novo ser! É o fogo do amor Jurandir! Fogo
da Paixão, Fogo da Vida! Então vamos cantar, dançar e rezar esta noite para que
os deuses e espíritos de luz nos ouçam e nos ajudem! Que a mãe Iara nos abençoe
com suas vibrações de Amor Divino!
- Que assim seja Pajé Mauá! Sinto que eles já estão aqui
nos ouvindo!
“Esse menino vai ser um grande Pajé!” – pensou o Pajé
Mauá enquanto cantava e dançava ao redor da fogueira, observando que ao lado de
Jurandir estava um espírito de luz que se mostrava como um guerreiro indígena cujo
coração irradiava vibrações de amor e paz por tudo e todos.
E as horas foram passando, os dois cantavam suas orações
enquanto dançavam ao redor da fogueira. Pediam com imensa fé e amor para que os
deuses os escutassem, para que os espíritos ancestrais os ajudassem e para que
os espíritos das matas os protegessem.
Envolvido pelos cânticos e pela dança ancestral, o jovem
Jurandir entrou em um estado alterado de consciência. Seu corpo se movimentava mecanicamente,
já não estava mais no plano físico, acabara de adentrar o mundo dos espíritos.
Quando Jurandir percebe que está no mundo dos espíritos,
olha ao seu redor e vê um índio mais velho com porte de guerreiro ao seu lado, ele tinha um grande cocar cheio de penas brancas com detalhes azuis nas pontas e amarelo na base, olhava com carinho para ele. Aquele índio lhe era familiar, mas ele não se
lembrava de onde o tinha visto.
- Que Tupã e mãe Iara lhe abençoe meu filho! – saudou o
ser desconhecido.
- Quem é você? Seu rosto me parece familiar, mas não
consigo me recordar de onde o conheço.
- Me chame de Pena Branca apenas filho, sou seu ancestral
e seu guia. Habito o mundo dos espíritos há muito tempo e fui designado para
ser o seu protetor e orientador nesta sua caminhada terrena! Nos encontramos algumas
vezes em sonho, deve ter apenas lembranças vagas, daí a impressão de que me
conhece mas não sabe de onde.
- Que alegria poder encontrar com meu guia! Salve as tuas
forças meu pai! Sou imensamente grato aos deuses e aos espíritos da mata e os
ancestrais por terem me proporcionado esta experiência!
- Eu sempre estive com você Jurandir. Ás vezes intuía
pensamentos para que escolhesse o caminho certo. Acompanho-te desde que tu habitavas
o mundo dos espíritos! Conheço-te a muito mais tempo do que imaginas. Em muitas
e muitas eras fui teu companheiro. Você sempre como Pajé, e eu como seu
auxiliar do lado de cá.
- Muito Obrigado por tantos e tantos anos de ajuda Pena
Branca! Para mim você é um pai espiritual. Que Tupã lhe abençoe meu pai!
- Que o Criador de Tudo e de Todos também lhe abençoe meu
filho! Que os Senhores e Senhoras dos Mistérios Sagrados nos acompanhem nesta
jornada!
- Quem são estes Senhores e Senhoras meu pai? Poderia me
explicar?
- Eles são os regentes dos Mistérios da Criação! Fecha teus
olhos e escuta a melodia divina do amor meu filho.
Então Jurandir fecha os olhos e se concentra como havia
pedido Pena Branca. Logo ele começa a escutar uma doce melodia, que parecia vir
da cachoeira.
- Estou escutando pai Pena Branca! É uma linda canção!
Meu coração transborda em amor por tudo e por todos!
- Escute atentamente a canção e siga a voz Jurandir. Sua primeira iniciação começa agora.
Com os olhos ainda fechados, Jurandir segue com passos
rápidos a voz divina que canta tão bela canção, a canção do amor.
Ele chega à beira da cachoeira e abre os olhos, olha no
fundo do rio e vê que há uma luz rosa que parece estar convidando-o a entrar. Ele
olha para Pena Branca em busca de uma resposta, deve prosseguir ou não? Pena
Branca olha em seus olhos com um sorriso nos lábios e assente, encorajando-o a
entrar no rio.
Então
o pequeno pajé pula na água, e nada até as profundezas, onde estava a luz rosa.
Quanto mais se aproxima da luz, mais ele se sente aquecido, acolhido, amparado.
Sua mente e espírito são tomados por sentimentos profundos de amor por todas as
coisas, queria abraçar todos os seres e dizer como os amava.
Quando chega até a luz rosa, ela explode e do meio da
explosão surge uma bela sereia que o observa.
Ele fica paralisado com a visão da bela sereia,
reconhecendo imediatamente que se tratava da Senhora das Águas, a Mãe Iara.
“Filho meu! Há muito tempo espero por ti, para iniciá-lo
no meu mistério!”
“Mãe Iara, a sua benção! Não tenho palavras para
descrever o que estou sentindo agora minha mãe! Desculpe-me por entrar em seus
domínios sem pedir licença!”
“Acalme-se pequeno Jurandir! Não há pelo quê se
desculpar! Que o Supremo Criador de todas as coisas lhe abençoe meu filho! Jurandir,
tu sabes qual o mistério do qual eu sou Senhora?”
“Minha mãe, tu és Senhora das águas! Todos sabemos que
ela a Ti pertence!”
“Sim Jurandir, sou a Senhora das Águas, mas este não é o
mistério que está sob minha tutela! Somente se responderes qual este mistério
poderemos prosseguir com tua iniciação!”
“Tu bela mãe, é a Suprema Senhora das Águas e do Amor!
Sim, é isto que sinto diante de ti, imenso amor por tudo e por todos! Tu és a
mãe do Amor Divino!”
“Sim Filho meu, este é o mistério do qual sou guardiã!
Pequeno pajé, sabes porque o amor é um mistério?”
“Não minha mãe! Como pode o amor ser um mistério se todos
nós conhecemos e sabemos o que é o amor? Muitos falam dele, em todos os lugares!”
“O Amor Divino é o mistério que a tudo agrega Jurandir! O
Amor não separa, não divide, não subtrai, o amor apenas junta, multiplica e
soma! O verdadeiro Amor é Divino, nele não há ciúmes, pois sabe que nenhuma
pessoa pertence à outra, somos seres livros dotados de vontade e livre arbítrio
pelo Supremo Criador. O Amor nos faz reconhecer que somos todos iguais e
devemos nos unir. O amor nos mostra que somos centelhas Divinas que merecem o
máximo de respeito e carinho, pois a individualidade é apenas ilusão, somos
todos Um no Criador! É o amor que a tudo constrói, é ele que deve sempre
brilhar em nossos olhos, pensamentos, palavras e ações! Quem deixa ser guiado
pelo amor, pelo amor é guiado, e o amor nunca se separa dele.”
“Eu sinto este amor minha mãe! Tu és a fonte do Amor do
Supremo Criador!”
“Sim filho! Eu e o criador somos Um, e você um dia também
saberá que todos somos pequenas partes do Divino Criador, e que o que nos une é
o Amor do Supremo Criador!”
“Mãe Divina, Fonte de Amor inesgotável, por favor me
inicie nos mistérios do Amor!”
Então a Senhora do Amor Divino abraçou Jurandir, e neste
momento Jurandir recebeu a iniciação no Mistério Divino do Amor! Eu seu corpo
espiritual ficou impresso o símbolo de um coração que irradiava uma luz rosa e
terna que era capaz de converter os mais obscuros sentimentos em puro amor.
Quando abriu seus olhos não viu mais a linda Sereia, mas
podia sentir que ela vivia ali dentro de seu peito e que sempre que precisasse
dela teria que buscá-la no amor que existia dentro de si mesmo.
Jurandir então sobe à superfície e com os olhos cheios de
lágrimas corre até Pena Branca e lhe dá um carinhoso abraço. Palavras não eram
necessárias, aquele abraço já exprimia todo amor e carinho que ele irradiava
naquele momento.
Ainda com o menino em seus braços, Pena Branca lhe diz:
- Agora você é um iniciado no Mistério Divino do Amor
filho meu! Volte e espalhe este amor por onde passares, eu sempre estarei
contigo!
Jurandir ainda sem conseguir dizer uma palavra, solta
Pena Branca e faz uma reverência como forma de gratidão. Em seguida se vira
para o rio, faz uma reverência a ele e agradece a mãe Iara pela iniciação
recebida, jurando que por onde ele passar sempre semearia a semente do amor que
recebeu da Divina Mãe.
Quem pode receber a Iniciação no Amor? Só aqueles que
amam sem prender, ajudam sem julgar e são humildes para aprender.
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Significado dos nomes:
Cacique - Raoni(Chefe, Grande Guerreiro)
Pajé - Mauá (Aquele que é elevado)
Garoto - Jurandir (Trazido pela luz do Céu)
Irmão - Kaluanã (Guerreiro)
Mãe - Janaína (Rainha da Família)
Divindade - Iara (Mãe das Águas)